sábado, 12 de junho de 2010

Devaneios

"Só não saberás nunca que neste exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva. Como um trapezista que só repara na ausência da rede após o salto lançado (...)" C.F.A

Faço-te desvencilhar da linha que te segura fora da cama, tiro-te o ontem mal-resolvido, dispo-te do medo, arranco a insegurança e a jogo no chão onde desde cedo já estão as roupas, com cuidado vou tirando o saudosismo excessivo, o b&w, colorindo-o, pintando de verde, me emaranhando no vermelho. Abro a mão devagar e te aceito como a mão do lado oposto. E nossas mãos se tocam e se apertam e dizemos, sem falar nada, que tem alguém do outro lado, que se doa, que se entrega, que em troca só quer aquela mão também estendida. Te sinto, te agarro, te tenho como parte de mim, como uma extensão da parte mais linda de mim. Tua presença aflora esse lado lindo. É, tu tens deixado as coisas mais bonitas: a grama, o céu, a nuvem, o lago, o eu. Tun tun tun tun. E tu me perguntas se sinto teu coração e penso em dizer que já o sinto, inclusive, dentro de mim, mas minha boca não diz nada porque ainda existem os fios e o impulso não deve ser perceptível. Então, é inverno, deslizemos.

Um comentário:

Bárbara Buril disse...

Nossas bocas não dizem nada porque o inverno está aqui, e algo extremamente profundo nos deixa mais lentas, mais verdadeiras, mais bonitas. Só sei do verde, da chuva e das minhas roupas, que, faz tempo, estão no chão.

"Hoje, havia chuva e um pouco de frio: essa chuva e esse frio parece que empurram a gente mais para dentro da gente mesmo, então as pessoas ficam mais lentas, mais verdadeiras, mais bonitas". Caio F.