segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Tinha uma poça no meio do caminho

Primeiro a gente vê a poça. A gente analisa a dimensão da poça, calcula se a perna é suficientemente comprida pra chegar até a outra beira. Até o outro lado da mesma beira de ontem, de anteontem... A poça, assim como o poço, assim como a fossa, só tem essa interminável beira que sempre leva pro mesmo canto, p'ros mesmos lados.


Depois do primeiro pé levantado a gente aceita a possibilidade de cair na poça. A gente supõe que seja impossível se afogar numa pocinha. Ali, extensa e rasa no meio da rua cheia de outras poças menores e maiores e sozinhas nas suas condições de poças. No máximo a gente se contamina com a poça, com a água de chuva da poça. A gente se contamina é com a chuva. A chuva que deixou de cair em cima da gente pra cair na poça e descontar sua solidão de água de chuva isolada numa poça contaminando o pé que a julgou saltável. Mas nunca se sabe, até a perceber não saltável, o que a poça guarda embaixo daquela película de água de chuva que deixou de cair na gente pra formar aquele pequeno universo. A gente também tem um pouco de culpa das poças serem formadas e existirem e nos surpreenderem na rua do lado.


Depois do inverno são só elas que nos restam. Às vezes até tentadoras, refletindo uma rua que, estranhamente, parece mais bonita do lado de dentro da poça. Mas a gente tem que lembrar da água ressentida de chuva que a formou, tem que lembrar que poças nem sempre são saltáveis, ou tem que aceitar e pronto.


Meter o pé e ser um pouco de poça também, ser um pouco da água ressentida e isolada de chuva. Mesmo que mergulhe, mesmo que se afogue, mesmo que tenha que beber toda água da chuva pra achar a beira de sempre de novo. Levantar a primeira perna e aceitar o desconhecido da poça, aceitar o limite de água calma que separa o firme da rua, do duvidoso de dentro.

Nenhum comentário: