sexta-feira, 27 de março de 2009

Crepúsculo

- Ainda estás aí?
- Ainda.
- E depois?
- Depois do quê?
- De agora, disso, dessa agonia, dessa espera, dessa incerteza, dessa angústia.
- E te angustias?
- Claro! Não temes o desconhecido?
- Não. Temes a Deus? Creio que também não o conheça.
- É diferente.
- Por quê?
- Porque Deus é bom, o que vem depois talvez não seja.
- Talvez seja.
- É! Esse é o problema: talvez.
- Essa é a ventura.
- E se doer? Ainda chamarás de ventura?
- Não deixa de ser. Uma ventura dolorosa.
- Masoquista!
- Não! Conformado...
- Não quero sentir dor.
- Há dor maior que os desprazeres dessa vida?
- Não sei.
- Logo saberás.
- Estou com medo. Segura minha mão!
- E por que bebeste?
- Não sei! Fraqueza?
- Força!
- E se Deus não aceita quem recusa seu legado?
- Ele aceita.
- Como sabes?
- Sinto.
- Sente...
- Não acreditas no que sente?
- Agora preferia não acreditar.
- Bem-aventurados os que reconhecem a hora e maneira de recuperar sua dignidade.
- Dignidade? Isso? Esse quarto imundo? Esse veneno de bicho que me convencestes a tomar? Antes nunca conhecesse essa dignidade.
- Tomaste porque quiseste.
- Segura minha mão, porra!
- Covarde! Não entendes que esse é o nosso legado?
- Não! Mas não me solta, tu és a única segurança que me resta.
- Por quê?
- A única certeza do depois.
- E quem disse que ainda estaremos juntos?
- Não estaremos? Não sentes?
- Covardes não me acompanharão.
- Não me faça medo!
- Não faço.
- Ainda estarás comigo então?
- Confesso que não sei...
- Pára! Preciso de suas frases seguras, de sua firmeza na voz, por que a tremeu?
- Não sei.
-...
-...
-...
-...
- Ainda estás aí?

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